O Rei dos Chefs ou o Chef dos Reis?

O Rei dos Chefs ou o Chef dos Reis?

Onde surgiu o uniforme dos chefs?

O chef Carême o chef dos reis, escreveu diversos trabalhos em gastronomia, que incluíam, além de centenas de receitas, planejamento de cardápios e instruções para organizar uma cozinha. Carême acreditava que os chefs deveriam usar uniformes e foi responsável por criar o “toque”, o chapéu de chef.⁠

Em 1822 o chef Marie-Antoine Carême, conhecido como o arquiteto da gastronomia francesa, lançou o livro “Le Maitre d’Hotel Français”, que contém um esboço com dois chefs usando um toque, calças, uma jaqueta transpassada e um avental.

O Rei dos Chefs ou o Chef dos Reis?

Com as suas criações gastronómicas sofisticadas, Antoine Carême, impôs-se na Europa com a sua gastronomia, tal como Napoleão com os seus exércitos.

A Revolução Francesa de 1789 não sacudiu somente os alicerces dos Estados em todo o continente – mudou também de forma radical muitas áreas da vida quotidiana. Uma delas foi a dos hábitos alimentares. Em oposição à sumptuosidade da antiga cozinha aristocrática, após a Revolução o gosto culinário inclinou-se para uma maior simplicidade. E não só: com a queda em desgraça dos seus antigos e nobres senhores, para quem tinham trabalhado durante séculos, os cozinheiros tiveram de reinventar-se e fizeram-no com admirável rapidez, tornando-se restaurateurs ao abrir os seus restaurantes .

Marie-Antoine Carême, chamado Antoine, nasceu em Paris no dia 8 de Julho de 1784, numa família numerosa, tinha 15 a 25 irmãos. Antoine viveu na casa paterna até aos 9 ou 12 anos, depois, segundo a tradição, o pai levou-o a um restaurante e, após pagar a conta, despediu-se do filho com estas terríveis palavras: “Este é o último dinheiro que posso gastar contigo.” Nunca mais se voltaram a ver.

Encontrou trabalho e um tecto confortável num restaurante, onde serviu até aos 15 anos como ajudante de cozinha. Em 1798, continuou a aprendizagem ao serviço de Sylvain Bailly, um famoso pasteleiro cuja loja se situava na zona do Palais Royal.

Na época, a pastelaria era considerada o nível mais elevado da cozinha e os mestres pasteleiros gozavam de grande reputação. Nos anos que passou ao serviço de Bailly,  aprendeu os fundamentos daquela que era conhecida também como “arte branca”. Pouco a pouco, foi dominando técnicas cada vez mais complexas, em particular a das chamadas pièces montées: bolos compostos pela montagem de vários elementos para obter efeitos decorativos espectaculares. Carême cultivou especialmente a modalidade dos bolos em forma de edifícios.

Talvez motivado pelo novo clima de optimismo trazido por Napoleão Bonaparte, Carême, com menos de 20 anos, abriu a sua primeira pastelaria. Boucher, o chef de Talleyrand, ministro dos Assuntos Exteriores, descobriu as suas qualidades e quis tê-lo com ele. Foi o próprio ministro Talleyrand que lhe propôs trabalho, através da pastelaria Gendrom, na elaboração de comida para as recepções diplomáticas.

A associação entre Carême e Talleyrand durou doze anos e, apesar das diferenças de classe, entre os dois criou-se se não uma relação de amizade, pelo menos uma relação de estima e simpatia.

O ministro, quase trinta anos mais velho, partilhava com Carême as dificuldades sofridas desde a infância (no caso de Talleyrand, uma malformação física que o levou a ser excluído da herança familiar) e a luta pela ascensão na escala social até se tornar um dos protagonistas da diplomacia da época.

Carême elaborou para Talleyrand requintados bolos como a charlotte, o vol-au-vent, o merengue e o boudoir, bolos que se molhava em vinho da Madeira, como costumava fazer Talleyrand.

Todavia, a inovação mais importante de Carême produziu-se noutro âmbito. Em 1804, quando Napoleão teve de entregar a alguém a tarefa de se encarregar dos banquetes diplomáticos, elegeu Carême. Não lhe deu carta branca. Pediu-lhe que preparasse diariamente um menu com produtos da época, utilizando apenas produtos locais e sem nunca se repetir. Era um desafio insólito numa época em que as mesas da alta sociedade ofereciam pratos exclusivos e caros.

Talleyrand, durante os anos em que colaboraram, também incentivara Carême a criar uma gastronomia nova, de estilo refinado, mais sóbria quanto ao sabor mas ao mesmo tempo capaz de surpreender. Dos desafios colocados pelas duas personagens ao chef, nasceu a haute cuisine, um conhecimento gastronómico novo que Carême reuniu numa publicação de cinco volumes editada em 1833 com o título L’art de la cuisine française.

Os contributos de Carême foram incontáveis. As ervas frescas melhoravam os pratos feitos com poucos ingredientes, as porções eram equilibradas e esteticamente satisfatórias e os molhos não ocultavam os sabores, mas realçavam-nos. No campo dos molhos, Carême fez uma pequena revolução, subdividindo-os em quatro preparados básicos: o bechamel, o velouté, o espanhol (ou molho escuro) e o molho de tomate. Todas as variações partiam daqui. Carême também introduziu o serviço “à russa”, ou seja, levando para a mesa os pratos já servidos com as respectivas porções.

Com o fim da época napoleónica, começou uma nova fase na vida de Carême. O chef  transferiu-se para Brighton, em Inglaterra, onde ficou ao serviço do príncipe regente, o futuro rei Jorge IV.  No entanto, em Inglaterra nunca se chegou a sentir bem e, depois de algum tempo nas Ilhas Britânicas, aceitou a missão de renovação das cozinhas do czar Alexandre I em São Petersburgo. Também essa campanha seria curta.

Quando regressou a França, já muito famoso, recebeu numerosas ofertas de emprego das personalidades mais importantes da Europa. Elegeu o riquíssimo barão James Mayer de Rotschild, banqueiro que nesse momento atingira grande sucesso.

A sua relação começou em 1823 e foi uma ligação sólida, como a que anteriormente estabelecera com Talleyrand. Acabou em 1829, quando o chef se retirou para a vida privada para se dedicar à escrita dos seus amados Livros.

Chapéu de cozinheiro. Atribui-se a Carême a criação do uniforme de chef e a toque blanche, o característico chapéu de cozinha usado ainda hoje pelos grandes chefs. Os cozinheiros já usavam chapéu no passado, mas foi ele que teve a ideia de colocar por dentro um pedaço de cartão para manter o chapéu levantado e permitir maior ventilação, permitindo assim controlar a sudação. Na imagem, uniforme do chef moderno, segundo Carême.

A sua decisão talvez tenha sido influenciada não apenas pela sua paixão pela cultura, mas também por motivos de saúde. Ao trabalhar na cozinha, contraíra uma doença pulmonar relacionada com a inalação prolongada de fumos de carvão, já que à época as cozinhas funcionavam com carvão mineral, que era muito contaminante. Faleceu no dia 12 de Janeiro de 1833, como apenas 48 anos.

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